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NOÇÕES GERAIS

Como podemos conceituar foro por prerrogativa de função?

Trata-se de uma prerrogativa prevista pela Constituição segundo a qual as pessoas ocupantes de alguns cargos ou funções, somente serão processadas e julgadas criminalmente (não engloba processos cíveis) por determinados Tribunais (TJ, TRF, STJ, STF).

Razão de existência

O foro por prerrogativa de função existe porque se entende que, em virtude de determinadas pessoas ocuparem cargos ou funções importantes e de destaque, somente podem ter um julgamento imparcial e livre de pressões se forem julgadas por órgãos colegiados que componham a cúpula do Poder Judiciário.

Ex: um Desembargador, caso pratique um delito, não deve ser julgado por um juiz singular, nem pelo Tribunal do qual faz parte, mas sim pelo STJ, órgão de cúpula do Poder Judiciário e, em tese, mais adequado, para, no caso concreto, exercer a atividade com maior imparcialidade.

Ex2: caso um Senador da República cometa um crime, ele será julgado pelo STF.

Foro por prerrogativa de função é o mesmo que foro privilegiado?

Tecnicamente, não.

Tourinho Filho explica que o foro por prerrogativa de função é estabelecido em razão do cargo ou função desempenhada pelo indivíduo. Trata-se, portanto, de uma garantia inerente à função. Ex: foro privativo dos Deputados Federais no STF. Já o chamado “foro privilegiado” é aquele previsto, não por causa do cargo ou da função, mas sim como uma espécie de homenagem, deferência, privilégio à pessoa. Ex: foro privilegiado para condes e barões.

Todavia, o próprio STF utiliza em seus julgamentos a expressão “foro privilegiado” como sendo sinônimo de “foro por prerrogativa de função”.

Por essa razão, também utilizarei aqui indistintamente as terminologias como sendo

Onde estão previstas as regras sobre o foro por prerrogativa de função?

  • Regra: somente a Constituição Federal pode prever casos de foro por prerrogativa de função. Exs: art. 102, I, “b” e “c”; art. 105, I, “a”.
  • Exceção: o art. 125, caput e § 1º, da CF/88 autorizam que as Constituições Estaduais prevejam hipóteses de foro por prerrogativa de função nos Tribunais de Justiça, ou seja, situações nas quais determinadas autoridades serão julgadas originalmente pelo TJ:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

  • 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Vale ressaltar, no entanto, que a previsão da Constituição Estadual somente será válida se respeitar o princípio da simetria com a Constituição Federal. Isso significa que a autoridade estadual que “receber” o foro por prerrogativa na Constituição Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que tenha foro por prerrogativa de função na Constituição Federal.

Ex1: a Constituição Estadual poderá prever que o Vice-Governador será julgado pelo TJ. Isso porque a autoridade “equivalente” em âmbito federal (Vice-Presidente da República) possui foro por prerrogativa de função no STF (art. 102, I, “b”, da CF/88). Logo, foi respeitado o princípio da simetria.

Ex2: a Constituição Estadual não pode prever foro por prerrogativa de função para os Delegados de Polícia considerando que não há previsão semelhante para os Delegados Federais na Constituição Federal (STF ADI 2587).

Hipóteses de foro por prerrogativa de função previstas na CF/88:

AUTORIDADE FORO COMPETENTE
Presidente e Vice-Presidente da República STF
Deputados Federais e Senadores
Ministros do STF
Procurador-Geral da República
Ministros de Estado
Advogado-Geral da União
Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica
Ministros do STJ, STM, TST, TSE
Ministros do TCU
Chefes de missão diplomática de caráter permanente
Governadores STJ
Desembargadores (TJ, TRF, TRT)
Membros dos TRE
Conselheiros dos Tribunais de Contas
Membros do MPU que oficiem perante tribunais
Juízes Federais, Juízes Militares e Juízes do Trabalho TRF ou TRE
Membros do MPU que atuam na 1ª instância
Juízes de Direito TJ
Promotores e Procuradores de Justiça
Prefeitos TJ, TRF ou TRE

Autoridades que dependem da Constituição Estadual (algumas Constituições preveem que a competência para julgar os crimes por elas praticados é do Tribunal de Justiça):

  • Vice-governadores;
  • Deputados Estaduais;
  • Vereadores.

Se a Constituição estadual não trouxer nenhuma regra, tais autoridades serão julgadas em 1ª instância.

DECISÃO DO STF RESTRINGINDO O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

Foro prerrogativa de função extremamente ampliado

Conforme explica o Min. Luís Roberto Barroso, a CF/88 prevê que um conjunto amplíssimo de agentes públicos responda por crimes comuns perante tribunais.

Estima-se que cerca de 37 mil autoridades detenham a prerrogativa no país.

Não há, no Direito Comparado, nenhuma democracia consolidada que consagre a prerrogativa de foro com abrangência comparável à brasileira.

No Reino Unido, na Alemanha, nos Estados Unidos e no Canadá nem existe foro privilegiado. Entre os países que adotam, a maioria o institui para um rol reduzido de autoridades. Na Itália, por exemplo, a prerrogativa de foro se aplica somente ao Presidente da República.

Em Portugal, são três as autoridades que detêm foro privilegiado: o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro.

Disfuncionalidade do foro privilegiado

Este modelo amplo de foro por prerrogativa de função tradicionalmente adotava acarreta duas consequências graves e indesejáveis para a justiça e para o STF:

1ª) Afasta o Tribunal do seu verdadeiro papel, que é o de Suprema Corte, e não o de tribunal criminal de primeiro grau. Tribunais superiores, como o STF, foram concebidos para serem tribunais de teses jurídicas, e não para o julgamento de fatos e provas. Como regra, o juízo de primeiro grau tem melhores condições para conduzir a instrução processual, tanto por estar mais próximo dos fatos e das provas, quanto por ser mais bem aparelhado para processar tais demandas com a devida celeridade, conduzindo ordinariamente a realização de interrogatórios, depoimentos, produção de provas periciais etc.

2ª) Contribui para a ineficiência do sistema de justiça criminal. O STF não tem sido capaz de julgar de maneira adequada e com a devida celeridade os casos abarcados pela prerrogativa. O foro especial, na sua extensão atual, contribui para o congestionamento dos tribunais e para tornar ainda mais morosa a tramitação dos processos e mais raros os julgamentos e as condenações.

Foro privativo no STF e ausência de duplo grau de jurisdição

Vale ressaltar, ainda, que as autoridades com foro por prerrogativa de função no STF ficam sujeitas a julgamento por uma única instância, de forma que não gozam de duplo grau de jurisdição.

Esse modelo vai de encontro com tratados internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil é signatário. Tanto a Convenção Americana de Direitos Humanos, quanto o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos asseguram o “direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”. Isso não ocorre com quem tem foro privilegiado no STF. Após o julgamento pela Corte, não há recurso para outro Tribunal.

Quando inicia e quando termina o foro por prerrogativa de função dos Deputados Federais e Senadores?

O direito ao foro por prerrogativa de função inicia-se com a diplomação do Deputado Federal ou Senador e somente se encerra com o término do mandato.

Assim, pelo entendimento que era tradicionalmente adotado pelo STF, se determinado indivíduo estivesse respondendo a uma ação penal em 1ª instância, caso ele fosse eleito Deputado Federal, no mesmo dia da sua diplomação, cessaria a competência do juízo de 1ª instância e o processo criminal deveria ser remetido ao STF para ali ser julgado.

Vale ressaltar que a diplomação é o ato pelo qual a Justiça Eleitoral atesta quem são os candidatos eleitos e os respectivos suplentes. A diplomação é normalmente marcada para dezembro e a posse somente ocorre alguns dias depois, em janeiro.

Questão de ordem na AP 937

Diante desse cenário, o Min. Luís Roberto Barroso, antes do julgamento de uma ação penal que tramitava no Supremo, suscitou, em uma questão de ordem, duas propostas.

Em outras palavras, o Ministro disse o seguinte: antes de discutirmos este processo, gostaria de propor que o Plenário do STF analisasse duas questões que envolvem foro por prerrogativa de função. A análise desses dois temas irá influenciar este e os demais processos que tratam sobre foro privilegiado.

Primeiro tema

O Min. Barroso propôs a seguinte reflexão:

Vamos mudar a interpretação que até hoje era dada ao art. 102, I, “b”, da CF/88 e passar a entender que o foro por prerrogativa de função dos Deputados Federais e Senadores deve se aplicar apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e desde que relacionados com a função desempenhada?

Segundo tema

O Ministro também propôs uma segunda discussão:

Vamos definir um determinado momento processual (ex: fim da instrução) a partir do qual mesmo que o réu perca o foro privilegiado no STF (exs: renunciou, não se reelegeu etc), ainda assim ele continuará sendo julgado pelo Supremo?

O que os Ministros do STF decidiram? Eles concordaram com as duas proposições feitas pelo Min. Barroso?

SIM (AP 937 QO). Vamos entender resumidamente os argumentos acolhidos pelo STF.

SENTIDO E ALCANCE DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

Razão que justificou a existência do foro privilegiado

Na origem, a prerrogativa de foro tinha como fundamento a necessidade de assegurar a independência de órgãos e o livre exercício de cargos constitucionalmente relevantes.

Entendia-se que a atribuição da competência originária para o julgamento dos ocupantes de tais cargos a tribunais de maior hierarquia evitaria ou reduziria a utilização política do processo penal contra titulares de mandato eletivo ou altas autoridades, em prejuízo do desempenho de suas funções.

Assim, o foro privilegiado foi pensado para ser um instrumento destinado a garantir o livre exercício de certas funções públicas, e não para acobertar a pessoa ocupante do cargo. Por essa razão, não faz sentido estendê-lo aos crimes cometidos antes da investidura nesse cargo e aos que, cometidos após a investidura, sejam estranhos ao exercício de suas funções.

Se o foro por prerrogativa de função for amplo e envolver qualquer crime (ex: um acidente de trânsito) ele se torna um privilégio pessoal que não está relacionado com a proteção do cargo.

Normas que estabeleçam exceções ao princípio da igualdade devem ser interpretadas restritivamente

A existência do foro por prerrogativa de função representa uma exceção ao princípio republicano e ao princípio da igualdade. Tais princípios, contudo, gozam de preferência axiológica em relação às demais disposições constitucionais. Daí a necessidade de que normas constitucionais que excepcionem esses princípios – como aquelas que introduzem o foro por prerrogativa de função – sejam interpretadas sempre de forma restritiva.

Redução teleológica

O foro especial está previsto em diversas disposições da Carta de 1988.

O art. 102, I, “b” e “c”, por exemplo, estabelece a competência do STF para “processar e julgar, originariamente, (…) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República”, bem como “os Ministros de Estado e os Comandantes Militares, os membros dos Tribunais Superiores, os membros do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”.

O art. 53, § 1º determina que “Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”.

Embora se viesse interpretando tais dispositivos de forma literal, ou seja, no sentido de que o foro privilegiado abrangeria todos os crimes comuns, é possível e desejável atribuir ao texto normativo uma acepção mais restritiva, com base na teleologia do instituto e nos demais elementos de interpretação constitucional.

Trata-se da chamada “redução teleológica” (Karl Larenz) ou, de forma mais geral, da aplicação da técnica da “dissociação” (Riccardo Guastini), que consiste em reduzir o campo de aplicação de uma disposição normativa a somente uma ou algumas das situações de fato previstas por ela segundo uma interpretação literal, que se dá para adequá-la à finalidade da norma. Nessa operação, o intérprete identifica uma lacuna oculta (ou axiológica) e a corrige mediante a inclusão de uma exceção não explícita no enunciado normativo, mas extraída de sua própria teleologia. Como resultado, a norma passa a se aplicar apenas a parte dos fatos por ela regulados.

A extração de “cláusulas de exceção” implícitas serve, assim, para concretizar o fim e o sentido da norma e do sistema normativo em geral.

Outros exemplos em que se aplicou a técnica da “redução teleológica”:

Ex1: o art. 102, I, “a”, da CF/88 prevê que compete ao STF processar e julgar “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual”. Embora o dispositivo não traga qualquer restrição temporal, o STF consagrou entendimento de que não cabe ADI contra lei anterior à Constituição de 1988, porque, ocorrendo incompatibilidade entre ato normativo infraconstitucional e a Constituição superveniente, fica ele revogado (não recepção).

Ex2: o art. 102, I, “f” prevê que competente ao STF julgar “as causas e os conflitos entre a União e os Estados”. O Supremo entendeu que essa competência não abarca todo e qualquer conflito entre entes federados, mas apenas aqueles capazes de afetar o pacto federativo.

Ex3: o art. 102, I, “r” prevê que compete ao STF julgar “as ações contra o Conselho Nacional de Justiça”. Em uma intepretação literal, essa competência abrangeria toda e qualquer ação contra o CNJ, sem exclusão. No entanto, segundo a jurisprudência do Tribunal, somente estão sujeitas a julgamento perante o STF o mandado de segurança, o mandado de injunção, o habeas data e o habeas corpus, pois somente nessas situações o CNJ terá legitimidade passiva ad causam. E mais: ainda quando se trate de MS, o Supremo só reconhece sua competência quando a ação se voltar contra ato positivo do CNJ.

Ex4: o art. 102, I, “n” prevê que compete ao STF julgar a “ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados”. Em relação à primeira parte do dispositivo, o STF entende que a competência só se aplica quando a matéria versada na causa diz respeito a interesse privativo da magistratura, não envolvendo interesses comuns a outros servidores. Em relação à segunda parte do preceito, entende-se que o impedimento e a suspeição que autorizam o julgamento de ação originária pelo STF pressupõem a manifestação expressa dos membros do Tribunal competente, em princípio, para o julgamento da causa.

Em todos esses casos (e em muitos outros), entendeu-se possível a redução teleológica do escopo das competências originárias do STF pela via interpretativa.

Conclusão quanto à primeira proposição:

As normas da Constituição de 1988 que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função devem ser interpretadas restritivamente, aplicando-se apenas aos crimes que tenham sido praticados durante o exercício do cargo e em razão dele.

Assim, por exemplo, se o crime foi praticado antes de o indivíduo ser diplomado como Deputado Federal, não se justifica a competência do STF, devendo ele ser julgado pela 1ª instância mesmo ocupando o cargo de parlamentar federal.

Além disso, mesmo que o crime tenha sido cometido após a investidura no mandato, se o delito não apresentar relação direta com as funções exercidas, também não haverá foro privilegiado.

Foi fixada, portanto, a seguinte tese:

O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018.

CRIMES COMETIDOS POR DEPUTADO FEDERAL OU SENADOR
Situação Competência
Crime cometido antes da diplomação como Deputado ou Senador Juízo de 1ª instância
Crime cometido depois da diplomação (durante o exercício do cargo), mas o delito não tem relação com as funções desempenhadas.

Ex: embriaguez ao volante.

Crime cometido depois da diplomação (durante o exercício do cargo) e o delito está relacionado com as funções desempenhadas.

Ex: corrupção passiva.

STF

MOMENTO DA FIXAÇÃO DEFINITIVA DA COMPETÊNCIA DO STF

Se o parlamentar federal (Deputado Federal ou Senador) está respondendo a uma ação penal no STF e, antes de ser julgado, ele deixe de ocupar o cargo (exs: renunciou, não se reelegeu etc) cessa o foro por prerrogativa de função e o processo deverá ser remetido para julgamento em 1ª instância?

O STF decidiu estabelecer uma regra para situações como essa:

  • Se o réu deixou de ocupar o cargo antes de a instrução terminar: cessa a competência do STF e o processo deve ser remetido para a 1ª instância.
  •  Se o réu deixou de ocupar o cargo depois de a instrução se encerrar: o STF permanece sendo competente para julgar a ação penal.

Assim, o STF estabeleceu um marco temporal a partir do qual a competência para processar e julgar ações penais – seja do STF ou de qualquer outro órgão jurisdicional – não será mais afetada em razão de o agente deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo (exs: renúncia, não reeleição, eleição para cargo diverso).

Por que foi necessário estabelecer este limite temporal?

Porque era comum haver um constante deslocamento da competência das ações penais de competência originária do STF (um verdadeiro “sobe-e-desce” processual).

Não foram raros os casos em que o réu procurou se eleger a fim de mudar o órgão jurisdicional competente, passando do primeiro grau para o STF. De outro lado, alguns deixaram de candidatar à reeleição, com o objetivo inverso, qual seja, passar a competência do STF para o juízo de 1ª instância, ganhando tempo com isso. E houve também os que renunciaram quando o julgamento estava próximo de ser pautado no STF.

Isso gerava, muitas vezes, o retardamento dos inquéritos e ações penais, com evidente prejuízo para a eficácia, a racionalidade e a credibilidade do sistema penal. Houve inclusive casos de prescrição em razão dessas mudanças.

Quando se considera encerrada a instrução, para os fins acima explicados?

Considera-se encerrada a instrução processual com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais.

Nesse momento fica prorrogada a competência do juízo para julgar a ação penal mesmo que ocorra alguma mudança no cargo ocupado pelo réu.

Desse modo, mesmo que o agente público venha a ocupar outro cargo ou deixe o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo, isso não acarretará modificação de competência.

Ex1: João respondia processo criminal em 1ª instância; o MP foi intimado para apresentar alegações finais por escrito; no dia seguinte o réu foi diplomado Deputado Federal; mesmo assim, o juiz de 1ª instância continuará sendo competente para julgar a ação penal considerando que a mudança ocorreu após ter se encerrado a instrução.

Ex2: Pedro, Deputado Federal, respondia ação penal no STF; foi publicado despacho intimando o MP para apresentação de alegações finais; uma semana depois, o réu foi diplomado Prefeito; mesmo Pedro tendo deixado de ser Deputado Federal, o STF continuará sendo competente para julgar o processo criminal contra ele.

Por que se escolheu esse critério do encerramento da instrução?

Por três razões:

1ª) Trata-se de um marco temporal objetivo, de fácil aferição, e que deixa pouca margem de manipulação para os investigados e réus e afasta a discricionariedade da decisão dos tribunais de declínio de competência;

2ª) Este critério privilegia o princípio da identidade física do juiz, ao valorizar o contato do magistrado julgador com as provas produzidas na ação penal;

3ª) Já existia precedente do STF já adotando este marco temporal.

Tese fixada quanto à segunda proposição:

Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.

STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018.

Assim, se o Deputado Federal ou Senador estiver respondendo um processo criminal no STF e chegar ao fim o seu mandato, cessa a competência do STF para julgar esta ação penal, salvo se a instrução processual já estiver concluída, hipótese na qual haverá a perpetuação da competência e o STF deverá julgar o réu mesmo ele não sendo mais um parlamentar federal.

Essas duas conclusões definidas na questão de ordem podem ser aplicadas a partir de quando?

Já estão sendo aplicadas.

O STF decidiu que essa nova linha interpretativa deve se aplicar imediatamente aos processos em curso, ou seja, já vale a partir da data do julgamento da questão de ordem (03/05/2018).

Vale ressaltar, no entanto, que todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos antes da questão de ordem, com base na jurisprudência anterior, devem ser considerados válidos.

OBSERVAÇÕES FINAIS

O entendimento que restringe o foro por prerrogativa de função vale para todas as hipóteses de foro privilegiado?

Formalmente, não. A decisão proferida na AP 937 QO restringindo o foro abrange, em um primeiro momento, apenas Deputados Federais e Senadores. Isso porque, formalmente, a questão de ordem discutia apenas a situação de parlamentares federais.

A tendência, contudo, é que o STF estenda essa mesma interpretação para outras autoridades.

Nesse sentido, confira as palavras do Min. Roberto Barroso, em entrevista para a imprensa:

“A decisão só se refere a parlamentares, mas ela é embasada num princípio que eu acho que é comum e que, portanto, vai levar à rediscussão de todas as demais situações de foro, mesmo as que não envolvam parlamentares”.

Isso significa que, muito provavelmente, quando o STF for chamado a analisar especificamente o caso de outras previsões de foro privilegiado, ele tome a mesma decisão.

Significa também que os demais Tribunais (exs: STJ, TJ, TRF) podem adotar o mesmo raciocínio que o STF e passar a restringir o foro por prerrogativa de função nos processos que ali tramitam. Assim, nada impede que um Tribunal de Justiça passe a adotar interpretação restritiva dizendo que, a partir de agora, ele somente irá julgar originariamente os crimes cometidos por Deputados Estaduais se tiverem sido praticados durante o exercício do cargo e sejam relacionados às funções desempenhadas.

Decisão do STJ aplicando a restrição ao foro privilegiado

Quatro dias após a AP 937 QO, o Ministro do STJ Luís Felipe Salomão aplicou, para um Governador de Estado, o mesmo raciocínio adotado pelo STF sobre a restrição do foro dos Deputados Federais e Senadores.

Segundo o art. 105, I, da CF/88, compete ao STJ julgar originariamente os crimes comuns praticados pelos Governadores de Estado.

O Min. Salomão afirmou o seguinte: esse art. 105, I, deve ser agora interpretado seguindo a mesma lógica adotada pelo STF. Logo, o STJ somente deverá julgar os crimes cometidos pelos Governadores se o delito foi praticado durante o exercício do cargo e estiver relacionado com as funções desempenhadas.

O Governador do Estado da Paraíba, Ricardo Coutinho, estava denunciado no STJ pela suposta prática de 12 crimes cometidos na época em que era Prefeito de João Pessoa. Diante desse novo entendimento, o Min. Salomão, que era relator desta ação penal no STJ, determinou que esse processo seja remetido para julgamento em 1ª instância, ou seja, em uma das varas criminais de João Pessoa (PB). Isso porque os delitos praticados, em tese, por Coutinho, não foram cometidos na condição de Governador nem têm relação com este cargo.

Nas palavras do Min. Salomão:

“1. Diante da recente e notória decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar questão de ordem na AP 937, da relatoria do Ministro Roberto Barroso, conferindo nova e conforme interpretação ao art. 102, I, b e c da CF, assentando a competência da Corte Suprema para processar e julgar os membros do Congresso Nacional exclusivamente quanto aos crimes praticados no exercício e em razão da função pública, e que tem efeitos prospectivos, em linha de princípio, ao menos em relação às pessoas detentoras de mandato eletivo com prerrogativa de foro perante este Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, “a”), faz-se necessária igual observância da regra constitucional a justificar eventual manutenção, ou não, do trâmite processual da presente ação penal perante a Corte Especial deste Tribunal Superior.

(…)

  1. No caso em exame, é ação penal na qual foi ofertada denúncia em face de RICARDO VIEIRA COUTINHO, atual Governador do Estado da Paraíba, pela suposta prática de 12 (doze) crimes de responsabilidade de prefeitos (art. 1º, inciso XIII, do DL 201/67), decorrente da nomeação e admissão de servidores contra expressa disposição de lei, ocorridos entre 01.01.2010 e 01.02.2010, quando o denunciado exercia o cargo de Prefeito Municipal de João Pessoa/PB, ou seja, delitos que, em tese, não guardam relação com o exercício, tampouco teriam sido praticados em razão da função pública atualmente exercida pelo denunciado como Governador.

Nessa conformidade, reconhecida a inaplicabilidade da regra constitucional de prerrogativa de foro ao presente caso, por aplicação do princípio da simetria e em consonância com a decisão da Suprema Corte antes referida, determino a remessa dos autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, para distribuição a uma das Varas Criminais da Capital, e posterior prosseguimento da presente ação penal perante o juízo competente.” (STJ AP 866/DF).

Investigações criminais envolvendo Deputados Federais e Senadores ANTES da AP 937 QO

Antes da decisão da AP 937 QO, as investigações envolvendo Deputado Federal ou Senador somente poderiam ser iniciadas após autorização formal do STF.

Assim, por exemplo, se, a autoridade policial ou o membro do Ministério Público tivesse conhecimento de indícios de crime envolvendo Deputado Federal ou Senador, o Delegado e o membro do MP não poderiam iniciar uma investigação contra o parlamentar federal.

O que eles deveriam fazer: remeter esses indícios à Procuradoria Geral da República para que esta fizesse requerimento pedindo a autorização para a instauração de investigação criminal envolvendo essa autoridade. Essa investigação era chamada de inquérito criminal (não era inquérito “policial”) e deveria tramitar no STF, sob a supervisão judicial de um Ministro-Relator que iria autorizar as diligências que se fizessem necessárias.

Em suma, o que eu quero dizer: a autoridade policial e o MP não podiaminvestigar eventuais crimes cometidos por Deputados Federais e Senadores, salvo se houvesse uma prévia autorização do STF.

Investigações criminais envolvendo Deputados Federais e Senadores DEPOIS da AP 937 QO

Situação Atribuição para investigar
Se o crime foi praticado antes da diplomação Polícia (Civil ou Federal) ou MP.

Não há necessidade de autorização do STF

Medidas cautelares são deferidas pelo juízo de 1ª instância (ex: quebra de sigilo)

Se o crime foi praticado depois da diplomação (durante o exercício do cargo), mas o delito não tem relação com as funções desempenhadas.

Ex: homicídio culposo no trânsito.

Se o crime foi praticado depois da diplomação (durante o exercício do cargo) e o delito está relacionado com as funções desempenhadas.

Ex: corrupção passiva.

Polícia Federal e Procuradoria Geral da República, com supervisão judicial do STF.

Há necessidade de autorização do STF para o início das investigações.

 

Divergências parciais de alguns Ministros

  • Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello: acompanharam integralmente o voto do Min. Roberto Barroso (Relator).
  • Ministro Marco Aurélio: divergiu do Min. Roberto Barroso apenas quanto à fixação de um marco temporal (fim da instrução) a partir do qual haveria a “perpetuação do foro” no STF. Para ele, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime deve ser julgado na 1ª instância.
  • Ministros Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski: fiaram parcialmente vencidos. Para eles, o STF deveria ser competente para julgar as infrações penais comuns praticadas por Deputados Federais e Senados após a diplomação, independentemente de estarem ou não ligadas ao exercício do mandato.
  • Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes: ficaram parcialmente vencidos. Eles defendiam que o foro por prerrogativa de função só deveria existir para crimes praticados após a diplomação ou nomeação (conforme o caso), independentemente de tais delitos estarem relacionados com a função pública. Defendiam também que esse entendimento deveria valer para todas as hipótese de foro privilegiado (e não apenas para as autoridades com foro no STF).

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor. Juiz Federal.

http://www.dizerodireito.com.br/2018/05/entenda-decisao-do-stf-que-restringiu-o.html

Competência para homologação do acordo de colaboração premiada se o delatado tiver foro por prerrogativa de função

Imagine a seguinte situação hipotética:

Luiz e mais outras pessoas foram presas preventivamente por ordem do juiz da 6ª vara criminal, investigados por crimes contra a administração pública.

Luiz negociou com o Promotores de Justiça e firmou acordo de colaboração premiada, tendo mencionado em suas declarações que os valores desviados dos cofres públicos seriam destinados ao Governador do Estado.

O juiz da 6ª vara homologou o acordo de colaboração premiada.

Após o acordo, as declarações do colaborador foram enviadas para o STJ, que instaurou inquérito para apurar a conduta do Governador.

Quando soube do fato, o Governador do Estado peticionou ao STJ alegando que houve violação à competência deste Tribunal Superior. Isso porque, conforme prevê o art. 105, I, “a”, da CF/88, compete ao STJ processar e julgar os Governadores.

O reclamante afirmou que, diante da menção feita à pessoa do Governador, os autos deveriam ter sido encaminhados ao STJ antes do acordo de colaboração ser assinado.

Assim, alegou que a negociação do acordo não poderia ter sido feita pelos Promotores de Justiça e que a homologação não poderia ter sido realizada pelo juiz de 1º grau.

Ao final, o reclamante requereu que fosse reconhecida a usurpação de competência e, consequentemente, declarada a nulidade de todos os atos praticados.

O STJ concordou com os argumentos do Governador?

NÃO. O STJ rejeitou a reclamação e decidiu que:

A homologação de acordo de colaboração premiada por juiz de 1º grau de jurisdição, que mencione autoridade com prerrogativa de foro no STJ, não traduz em usurpação de competência deste Tribunal Superior.

STJ. Corte Especial. Rcl 31.629-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/09/2017 (Info 612).

Habeas corpus

A defesa do Governador impetrou habeas corpus contra esta decisão do STJ.

No writ, a defesa alegou que o colaborador narra supostos crimes que teriam sido praticados pelo Governador. Logo, o acordo de colaboração deveria ter sido conduzido pela Procuradoria-Geral da República e submetido à homologação do STJ. Como isso não foi feito, tendo tramitado tudo em 1ª instância, houve violação do art. 105, I, “a”, da CF/88.

O STF concordou com o habeas corpus?

SIM. A 2ª Turma do STF concedeu a ordem de habeas corpus para determinar o trancamento do inquérito instaurado perante o STJ em desfavor do Governador.

Este inquérito que tramitava no STJ foi instaurado com base nos depoimentos de Luiz (colaborador) colhidos em sede de colaboração premiada celebrada com o Ministério Público estadual e homologada pelo juiz de 1ª instância.

Para o STF, houve usurpação de atribuição da Procuradoria-Geral da República e de competência do STJ, o que teria acarretado a nulidade das provas que derivaram, ou seja, das provas que surgiram a partir das declarações do colaborador.

Se o delator ou o delatado for autoridade com foro por prerrogativa de função, a competência para homologar é do respectivo tribunal

Segundo o art. 4º, § 7º da Lei nº 12.850/2013, o acordo de colaboração premiada deve ser remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade. Muito embora a lei fale apenas em “juiz”, é possível que a homologação da colaboração premiada seja da competência de tribunal, nos casos em que o delator ou os delatados possuem foro por prerrogativa de função.

Com efeito, o colaborador admite seus próprios delitos e delata outros crimes. Assim, quanto à prerrogativa de função, será competente o juízo mais graduado, observadas as prerrogativas de função do delator e dos delatados. Ex: se um Prefeito (julgado pelo TJ) faz um acordo de colaboração premiada e delata um Deputado Federal que teria praticado crimes no exercício de seu cargo e em função dele, a competência para homologar este acordo é do STF (art. 102, I, “b”).

Interpretação do STJ não foi correta

No caso concreto, o investigado celebrou acordo de colaboração com o Ministério Público estadual, o qual foi homologado pelo juiz.

O colaborador imputou delitos ao Governador.

Para corroborar suas declarações, o colaborador apresentou documentos que supostamente comprovariam a propina ao Governador. A despeito de terem sido imputados delitos ao Governador, a colaboração não foi realizada pela Procuradoria-Geral da República, tampouco foi submetida à homologação pelo STJ.

Mesmo diante desse cenário, o STJ decidiu “validar” essa situação.

Para o STJ, os indícios contra a autoridade (Governador) só surgiram com o depoimento do colaborador. Logo, o acordo poderia ter sido homologado pelo juízo de 1ª instância e, a partir daí, a investigação deveria tramitar no STJ. Assim, teria sido correto homologar o acordo e, em seguida, remeter os autos ao STJ.

O STF, contudo, não concordou com essa interpretação do STJ. Para o Supremo, se a delação do colaborador mencionar autoridade com prerrogativa de foro, este acordo deve ser celebrado pelo Ministério Público que atua no Tribunal, com homologação pelo Tribunal competente.

Repetindo:

Imagine que um indivíduo que não tem foro por prerrogativa de função queira fazer um acordo de colaboração premiada. Ele diz o seguinte: quero delatar o Governador, ou seja, desejo revelar crimes que o Governador atual cometeu no exercício do cargo e que estejam com ele relacionados. Esse acordo pode ser homologado pelo juízo de 1ª instância?

  • O STJ decidiu que sim. O acordo pode ser celebrado pelo Ministério Público de 1ª instância e homologado pelo juízo de 1ª instância. Após a homologação, remete-se a investigação para o Tribunal competente (no caso, o STJ, por força do art. 105, I, “a”).
  • Para o STF: NÃO. Se a delação do colaborador mencionar autoridade com prerrogativa de foro (ex: Governador), este acordo deve ser celebrado pelo Ministério Público respectivo (PGR), com homologação pelo Tribunal competente (STJ).

Obs: como a decisão do STJ foi reformada pelo STF, não precisa você “guardar” o que o STJ decidiu. Isso porque o STJ irá se curvar diante do entendimento do STF. Basta entender e memorizar o que o STF concluiu porque é o que prevaleceu.

Se a delação do colaborador mencionar fatos criminosos que teriam sido praticados por autoridade (ex: Governador) e que teriam que ser julgados por foro privativo (ex: STJ), este acordo de colaboração deverá, obrigatoriamente, ser celebrado pelo Ministério Público respectivo (PGR), com homologação pelo Tribunal competente (STJ).

Assim, se os fatos delatados tiverem que ser julgados originariamente por um Tribunal (foro por prerrogativa de função), o próprio acordo de colaboração premiada deverá ser homologado por este respectivo Tribunal, mesmo que o delator não tenha foro privilegiado.

A delação de autoridade com prerrogativa de foro atrai a competência do Tribunal competente para a respectiva homologação e, em consequência, do órgão do Ministério Público que atua perante a Corte.

Se o delator ou se o delatado tiver foro por prerrogativa de função, a homologação da colaboração premiada será de competência do respectivo Tribunal.

STF. 2ª Turma. HC 151605/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 20/3/2018 (Info 895).

Como vimos acima, após a instauração do inquérito no STJ, a defesa do Governador impugnou a utilização das declarações do colaborador. Pergunta: delatado possui legitimidade para impugnar o acordo de colaboração premiada?

  • Em regra, não. O STF entende que o delatado não tem legitimidade para impugnar o acordo de colaboração premiada, por se tratar de negócio jurídico personalíssimo.

O contraditório e a ampla defesa serão exercidos pelo delatado posteriormente, apenas no processo penal que for instaurado com as provas produzidas pelo colaborador. Nesse sentido:

(…) Por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento no “relato da colaboração e seus possíveis resultados” (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13).

  1. De todo modo, nos procedimentos em que figurarem como imputados, os coautores ou partícipes delatados – no exercício do contraditório – poderão confrontar, em juízo, as declarações do colaborador e as provas por ele indicadas, bem como impugnar, a qualquer tempo, as medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em seu desfavor. (…)

STF. Plenário. HC 127483, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 27/08/2015.

  • Exceção: é possível que o delatado faça impugnação quanto à competência para homologação do acordo. Isso porque, neste caso, a impugnação está relacionada com regras constitucionais de prerrogativa de foro. Assim, ainda que seja negada ao delatado a possibilidade de impugnar o acordo, esse entendimento não se aplica em caso de homologação sem respeito à prerrogativa de foro.

Em caso de homologação de acordo sem observância das regras de competência, o que se tem é uma hipótese de ineficácia do acordo em relação à autoridade delatada (em nosso exemplo, o Governador). Desse modo, os atos de colaboração premiada, decorrentes do acordo, não são eficazes para ele porque foi homologado com usurpação de competência do STJ.

Por essa razão, as provas devem ser excluídas do inquérito. Tento em vista que a instauração se deu com base exclusivamente nos atos de colaboração, o inquérito deve ser trancado.

Em regra, o delatado não tem legitimidade para impugnar o acordo de colaboração premiada. Assim, em regra, a pessoa que foi delatada não poderá impetrar um habeas corpus alegando que esse acordo possui algum vício. Isso porque se trata de negócio jurídico personalíssimo.

Esse entendimento, contudo, não se aplica em caso de homologação sem respeito à prerrogativa de foro.

Desse modo, é possível que o delatado questione o acordo se a impugnação estiver relacionada com as regras constitucionais de prerrogativa de foro. Em outras palavras, se o delatado for uma autoridade com foro por prerrogativa de função e, apesar disso, o acordo tiver sido homologado em 1ª instância, será permitido que ele impugne essa homologação alegando usurpação de competência.

STF. 2ª Turma. HC 151605/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 20/3/2018 (Info 895).

http://www.dizerodireito.com.br/2018/05/competencia-para-homologacao-do-acordo.html

Não existe foro por prerrogativa de função em ação de improbidade administrativa proposta contra agente político

Dois temas geravam muita polêmica no Direito Administrativo:

1) A Lei de improbidade administrativa aplica-se ou não aos agentes políticos?

2) Existe ou não foro por prerrogativa de função (“foro privilegiado”) nas ações de improbidade administrativa?

Vamos entender com calma.

Crimes de responsabilidade

Os agentes políticos estão sujeitos à prática de crimes de responsabilidade.

Os crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas praticadas por pessoas que ocupam determinados cargos públicos. Caso o agente seja condenado por crime de responsabilidade, ele não receberá sanções penais (prisão ou multa), mas sim sanções político-administrativas (perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública).

Crimes de responsabilidade x improbidade administrativa

Como os crimes de responsabilidade infrações são muito próximas (parecidas) com os atos de improbidade administrativa, surgiu a tese de que se o agente político pudesse ser condenado por crime de responsabilidade e também improbidade administrativa, haveria bis in idem.

Assim, defendeu-se o argumento de que os agentes políticos deveriam estar sujeitos apenas e tão somente aos crimes de responsabilidade (não sendo a eles aplicados os atos de improbidade administrativa).

Essa tese prevalece atualmente?

NÃO. O entendimento atual é o de que, em regra, os agentes políticos podem sim responder por ato de improbidade administrativa.

Vigora aquilo que a jurisprudência chamou de “duplo regime sancionatório”, ou seja, o fato de o agente estar sujeito a:

  • crime de responsabilidade e
  • improbidade administrativa.

Constituição prevê crime de responsabilidade e improbidade como institutos autônomos

Fazendo uma interpretação sistemática do texto constitucional, conclui-se que há nítida distinção entre os conceitos de improbidade administrativa e de crime de responsabilidade.

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) foi editada com fundamento no art. 37, §4º, da CF:

  • 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Por outro lado, a CF/88 trata sobre os crimes de responsabilidade em outros dispositivos:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (Redação dada pela EC 23/99)

[…]

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

[…]

V – a probidade na administração;

[…]

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

[…]

  1. c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; (Redação dada pela EC 23/99)

Assim, a tentativa de imunizar os agentes políticos das sanções da ação de improbidade administrativa a pretexto de que essas seriam de absorvidas pelo crime de responsabilidade não tem fundamento constitucional.

“Eu entendo que há, no Brasil, uma dupla normatividade em matéria de improbidade, com objetivos distintos: em primeiro lugar, existe aquela específica da Lei 8.429/1992, de tipificação cerrada mas de incidência sobre um vasto rol de possíveis acusados, incluindo até mesmo pessoas que não tenham qualquer vínculo funcional com a Administração Pública (Lei 8.429/1992, art. 3º); e uma outra normatividade relacionada à exigência de probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao chefe do Poder Executivo e aos ministros de Estado, ao estabelecer no art. 85, inciso V, que constituem crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a probidade da administração. No plano infraconstitucional essa segunda normatividade se completa com o art. 9º da Lei 1.079/1950.

Trata-se de disciplinas normativas diversas, as quais, embora visando, ambas, à preservação do mesmo valor ou princípio constitucional, – isto é, a moralidade na Administração Pública – têm, porém, objetivos constitucionais diversos.

(…)

Não há impedimento à coexistência entre esses dois sistemas de responsabilização dos agentes do Estado.”

STF. Plenário. Pet 3923 QO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 13/06/2007;

Desse modo, o que prevalece atualmente é que os agentes políticos, em regra, submetem-se às punições por ato de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), sem prejuízo de também poderem ser punidos por crimes de responsabilidade. Nesse sentido:

(…) O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que os agentes políticos se submetem aos ditames da Lei de Improbidade Administrativa, sem prejuízo da responsabilização política e criminal. (…)

STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1607976/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/10/2017.

Por que se falou “em regra”? Existe algum caso em que o agente político não responderá por improbidade administrativa (devendo ser punido apenas por crime de responsabilidade)?

SIM. O Presidente da República.

Os agentes políticos, com exceção do presidente da República, encontram-se sujeitos a um duplo regime sancionatório, e se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade.

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO MUNICIPAL. DUPLO REGIME SANCIONATÓRIO DOS AGENTES POLÍTICOS: LEGITIMIDADE. PRECEDENTES.

  1. A jurisprudência assentada no STJ, inclusive por sua Corte Especial, é no sentido de que, “excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza” (Rcl 2.790/SC, DJe de 04/03/2010). (…)

STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1099900/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 16/11/2010.

E quanto ao foro competente? Existe foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa?

NÃO. A ação de improbidade administrativa possui natureza cível. Em outras palavras, é uma ação civil e não uma ação penal.

Em regra, somente existe foro por prerrogativa de função no caso de ações penais (e não em demandas cíveis).

Ex1: se for proposta uma ação penal contra um Deputado Federal por crime que ele tenha cometido durante o seu mandato e que esteja relacionado com as suas funções, esta deverá ser ajuizada no STF.

Ex2: se for ajuizada uma ação de cobrança de dívida contra esse mesmo Deputado, a demanda será julgada por um juízo de 1ª instância.

Por que existe essa diferença?

Porque a Constituição assim idealizou o sistema. Com efeito, as competências do STF e do STJ foram previstas pela CF/88 de forma expressa e taxativa.

Nos arts. 102 e 105 da CF/88, que estabelecem as competências do STF e do STJ, existe a previsão de que as ações penais contra determinadas autoridades serão julgadas por esses Tribunais. Não há, contudo, nenhuma regra que disponha que as ações de improbidade serão julgadas pelo STF e STJ.

Lei nº 10.628/2012 previu foro por prerrogativa de função para a ação de improbidade:

Em 24/12/2002, foi editada a Lei nº 10.628, que acrescentou o § 2º ao art. 84 do CPP, prevendo foro por prerrogativa de função para as ações de improbidade. Veja:

Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

(…)

  • 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.

Diante dessa alteração legislativa, foi proposta a ADI 2797 contra a Lei nº 10.628/2002 e o STF julgou inconstitucional o referido § 2º do art. 84 do CPP, decisão proferida em 15/09/2005.

O Supremo decidiu que:

“no plano federal, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes. (…) Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal — salvo as hipóteses dos seus arts. 29, X e 96, III —, reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros a definição da competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal ordinária.”

STF. Plenário. ADI 2797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 15/09/2005.

Em suma, o STF afirmou que, como a Constituição não estabeleceu foro por prerrogativa de função para as ações de improbidade administrativa, a lei ordinária assim não poderia prever.

Desse modo, com a decisão da ADI 2797, ficou prevalecendo o entendimento de que as ações de improbidade administrativa deveriam ser julgadas em 1ª instância.

No dia de hoje (10/05/2018), o STF apreciou novamente o tema. O que decidiu a Corte? Existe foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa?

NÃO. O STF reafirmou, por 10 x 1, que:

Não existe foro por prerrogativa de função em ação de improbidade administrativa proposta contra agente político.

O foro por prerrogativa de função é previsto pela Constituição Federal apenas para as infrações penais comuns, não podendo ser estendida para ações de improbidade administrativa, que têm natureza civil.

STF. Plenário. Pet 3240/DF, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 10/05/2018.

http://www.dizerodireito.com.br/2018/05/nao-existe-foro-por-prerrogativa-de.html

 

 

Sobre o autor

Sérgio Bento De Sepúlvida Júnior

Sérgio Bento De Sepúlvida Júnior

Sócio Administrador e Escritor

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